Visitar Chernobyl é estar no local onde ocorreu uma das piores tragédias ambientais, sociais e mundiais da história. Estar em Chernobyl é um misto de emoções difíceis de colocar em palavras. Mas vou tentar. Depois de muito estudo sobre Chernobyl, neste post vou falar sobre o tour e também sobre curiosidades sobre a radiação. Vem comigo para mais essa viagem!
COMO É O TOUR DE CHERNOBYL
10:00h
A primeira fase é o cadastro de todas as pessoas que entram na zona de exclusão. Existe inclusive uma “alfândega" onde eles olham o passaporte (mas não carimbam, até pedi). Nesse momento recebemos um medidor que ficará pendurado como um colar durante todo o tour.
"Passaporte" para entrar na Zona de Exclusão
11:10h
Depois de todos os trâmites na “fronteira”, entramos na zona de exclusão, que é o perímetro de 10km ao redor do reator 4 da usina de Chernobyl, onde a cidade de Pripyat se localiza também.
Fomos direto para o sarcófago do reator. Não tinha visto nenhum vídeo anterior onde as pessoas ficavam tão perto, fiquei um pouco assustada no começo, mas a guia disse que podíamos ficar ali por, no máximo, 15 minutos. Me grudei no Medidor Geiger (que mede a radiação gama) e vi que variava de 1-1.15 (o máximo é 0.40, mas por pouco tempo podemos ficar expostos).
Local mais próximo que podemos chegar do sarcófago do reator 4 da Usina Nuclear de Chernobyl
É muito louco estar tão próxima do reator (uns 100 metros de distância). Quem viu a série "Chernobyl" (HBO) ou leu algum livro sobre Chernobyl sabe a tragédia que aconteceu em 1986, 35 anos atrás. Esse era o lugar mais perigoso do planeta durante meses, até que conseguiram colocar uma proteção (sarcófago). Era tudo tentativa e erro. No final, nenhuma máquina conseguiu fazer o trabalho de reduzir a radiação, homens foram expostos à radiação gama mais perigosa e mortal do mundo justamente para que o mundo continuasse “normal”. Alguns robôs foram para a lua, mas não ficaram inteiros um minuto no telhado do reator mais próximo do núcleo.
11:30h
Chegamos na entrada da cidade de Pripyat. Essa cidade foi construída para ser uma cidade modelo da ex-URSS. Os soviéticos foram convidados a morar lá para trabalhar na usina nuclear, com promessas de ótimos apartamentos, tudo perto (a cidade era separada por regiões, e todas tinham restaurante, hotel, mercado, hospital, colégio, parques e creches próximo às suas casas, um exemplo de cidade para morar). E, mesmo com todas essas regalias, ninguém se perguntou o porquê de estarem oferecendo tanto.
Entrada da cidade fantasma de Pripyat
Explicação do que aconteceu em Pripyat
Na época da explosão tinham 50 mil pessoas morando em Pripyat. A cidade foi inaugurada em 1970, e a explosão do reator foi dia 26 de abril de 1986.
Depois da explosão, cientistas avisaram que a cidade deveria ser evacuada. As autoridades não aceitavam, mas depois que viram que as pessoas que haviam trabalhado próximos ao reator estavam morrendo em pouco tempo, iniciaram a evacuação.
Como as pessoas saíram: foram enviados de 4.000 a 6.000 policiais e vários ônibus. Os policiais batiam nos apartamentos e diziam que as pessoas tinham 5 minutos para sair, que deveriam pegar o mais importante em uma sacola e ir para o ônibus. Esvaziaram a cidade em menos de 4 horas. Ninguém nunca mais voltou.
Ver uma cidade construída há 51 anos atrás estar completamente tomada pela vegetação e totalmente fantasma me fez pensar… tragédias como essa podem acontecer com qualquer um de nós. Um vizinho que faz uma bomba caseira que explode, alguém que põe fogo no seu apartamento e somos obrigados a deixar tudo para trás… para sempre.
A explosão de Chernobyl deixou consequências de enormes proporções mundiais. Um dado que me deixou bastante chocada é que, depois que todos saíram da cidade de Pripyat, as autoridades sabiam que a radiação continuava muito alta e não mandou ninguém mais para lá até construírem a proteção do reator 4, o que levou muito tempo. Neste tempo, saqueadores roubaram a cidade e praticamente tudo foi levado de lá (dos apartamentos, dos hospitais, dos restaurantes…). O pior é que a radiação era altíssima - principalmente nos metais, e ninguém sabe exatamente para onde esses objetos foram. E a radiação foi com eles. Sendo assim, diversos outros lugares do mundo possuem altas radiações, e as pessoas nem sabem. E isso durará por anos e anos… e os danos podem nem ser relacionados à radiação.
Berços da creche em Pripyat
Hotel (último andar já está desabando)
A natureza na cidade fantasma de Pripyat
Roda-gigante do parque de diversões de Pripyat que nunca foi inaugurado
Prédio do colégio de Pripyat
Uma das salas de aula do colégio que foi abandonada. Os alunos deixaram inclusive o material de estudo (livros, cadernos...)
Prédio da administração de Pripyat
Vitral de uma cafeteria localizada próximo do lago
No primeiro vídeo (abaixo) observamos que o medidor de radiação gama chega a quase 50. Isso significa que a radiação, neste local, está mais de 100x maior do que podemos conviver (máximo: 0.40). Ficamos pouquíssimo tempo nesse lugar, que era muito próximo ao rio. A explicação da guia para essa quantidade absurda de radiação acumulada (depois de 35 anos da explosão) é que, quando a cidade foi evacuada, a primeira coisa que fizeram foi lavar os prédios com muita água para diminuir a radiação nos mesmos. Como esse prédio ficava muito perto do rio, com certeza o mesmo foi contaminado (inclusive fecharam ele para que ele não mais levasse água para as cidades vizinhas), e hoje ele é um lago (ainda contaminado). A radiação aumenta no solo (como vimos no medidor), e diminui a medida que elevamos o medidor. Por isso se, no final do tour estivermos com uma quantidade maior de radiação do que a permitida, a primeira coisa que fazem é lavar os sapatos.
No segundo vídeo vemos cachorros junto ao grupo de turistas. Diferente do que dizem, esses cachorros não vivem em Pripyat, eles são alimentados e cuidados pelos guardas da fronteira da zona de exclusão e, durante o dia, acompanham as pessoas que visitam o local. Os guias aconselham a não colocar a mão nos cães porque eles podem ter uma taxa radioativa alta,
14:00h
Há 30 quilômetros de Chernobyl está o Radar Duga, que tem uma altura de 150 metros e se estende por quase 700 metros de comprimento. Essa estrutura foi construída com o objetivo de detectar ataque nuclear à URSS no máximo em dois ou três minutos após o lançamento de mísseis balísticos inimigos. Foi abandonado depois da explosão de Chernobyl. Claro que tinha uma estátua de Lênin na entrada da área militar.
Esse radar era segredo, somente os militares e oficiais sabiam da existência do Radar Duga. Ele é enorme, mas estava longe o suficiente de tudo para que não fosse descoberto. Mas, com a explosão de Chernobyl, essa foi uma das áreas que tiveram que ser desabitadas e também recebeu muita radiação (até hoje a radiação é alta), então foi abandonada. Ele foi inaugurado em 1976 e, em 1986 foi desativado. Nunca foi usado.
Agora a Ucrânia pretende transformar esse ‘troço' em um símbolo que representa a ex-URSS.
Explicação sobre a área militar do radar Duga
15:00h
Aqui termina o tour pela Zona de Exclusão de Chernobyl. O tour durou exatamente 4 horas - da hora que entramos pela fronteira até a hora que passamos no detector de radiação. Abaixo seguem os vídeos mostrando os detectores de radiação (sim, são bem antigos, mas a guia jura que funciona!). Filmei somente um deles, depois deste passamos por mais um e, ainda, a guia leva o medidor de radiação que permanece pendurado no nosso pescoço para medir também em outra máquina. Eu a questionei o que acontece se uma pessoa acumula uma radiação maior que a permitida e, ela respondeu que a primeira coisa é tirar os sapatos e lavá-los (pois a radiação está mais concentrada no solo). Se mesmo assim não funcionar, trocam de roupas e lavam as contaminadas. Ela disse que isso foi o máximo que já aconteceu com pessoas que permanecem mais tempo na região. Inclusive, vários ex-moradores já estão retornando para suas casas na Zona de Exclusão. Eles podem permanecer 15 dias seguidos e têm que sair nos próximos 15 dias. E todos que saem medem a radiação, é uma condição para viver lá.
CURIOSIDADES SOBRE A RADIAÇÃO
QUEM DESCOBRIU A RADIOATIVIDADE??
Marie Sklodowska iniciou suas pesquisas sobre radioatividade antes de ser esposa de Pierre Curie, mas foi quando eles já eram casados e trabalhavam juntos que ela descobriu a radioatividade (1898).
“A radioatividade é a emissão espontânea de radiação ou partículas da deterioração dos núcleos que, devido a uma organização particular da estrutura interna, são muito mais instáveis. A radioatividade refere às partículas que são emitidas dos núcleos como resultado da instabilidade nuclear.”
Marie morreu dia 4 de julho de 1934. Ela tinha dúvidas se sua descoberta tinha trazido mais benefícios do que prejuízos, então durante a guerra ela solicitou aparelhos de raio-x para que os homens que lutavam na guerra não tivessem seus membros amputados sem razão. Mais de um milhão de homens fizeram raios-x nas unidades móveis de radiografia de Curie durante a 1a Guerra Mundial, salvando inúmeras vidas. As descobertas de Curie levaram a tratamentos de câncer eficientes (radioterapia) que são usados até hoje. Na França são conhecidos como Curieterapia.
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GRÁVIDAS E A RADIAÇÃO
A série Chernobyl da HBO, baseada em fatos reais, conta a história de uma grávida de um bombeiro que burlou as regras do hospital e ficou junto dele quase todo o tempo que ele ficou internado. Só foi embora quando ele morreu.
(Uma das cientistas quis mandar ela embora mas a KGB prendeu ela, em vez de mandar embora a grávida do hospital).
Ela teve o filho, e ele viveu somente 4h após o nascimento, pois absorveu toda a radiação que ela recebeu quando ficou junto ao seu marido no hospital.
Podemos trazer para a nossa realidade a radiação que mais temos contato: o raio x. Grávidas até podem fazer raio x, mas o mesmo deve ser extremamente necessário e indispensável. Se não o for, não deve ser feito. Justamente porque o embrião ou feto recebe a radiação diretamente e, como está em desenvolvimento, pode vir a apresentar alterações no desenvolvimento.
O QUE ACONTECEU EM CHERNOBYL?
O grande problema de Chernobyl foi a explosão do reator 4 na Usina Nuclear de Chernobyl (aquele local da foto que parece um ginásio, na verdade é um sarcófago que impede a radiação do núcleo do reator de liberar mais radiação gama, a mais prejudicial das radiações).
Na época da explosão, as autoridades negavam que o núcleo poderia estar exposto (inclusive os próprios cientistas não acreditavam nisso). Só viram que sim, ele tinha explodido, quando viram que pedaços de grafite estavam no chão do lado de fora do reator. Esse elemento só está presente no núcleo do reator.
As autoridades notificaram que a radiação não estava tão alta porque os aparelhos que mediam tinham um máximo (3.6 Roentgen*), o que já era perigoso, mas quando acoplaram o medidor em um caminhão protegido por chumbo viram que, na verdade, a radiação estava em 15.000. Isso no chão, no telhado, onde havia mais material radioativo, a radiação era maior ainda.
Para conter a disseminação da fumaça radioativa, somente 30h depois da explosão eles começaram a jogar boro e areia no núcleo do reator, de helicóptero. A série Chernobyl mostra que, quando um helicóptero chegou muito próximo do núcleo, o mesmo se desintegrou e caiu.
* Roentgen (R) = Unidade de medida de radiação ionizante (como raios x e raios gama), nomeada em homenagem a Wilhelm Conrad Röntgen, que foi um físico e engenheiro mecânico alemão. Em 8 de novembro de 1895 ele produziu e detectou radiação eletromagnética nos comprimentos de onda correspondentes aos atualmente chamados raios-x. Por essa descoberta recebeu seu primeiro Nobel de Física em 1901. Nessa escala uma dose de 500 R em 5h é letal para os humanos. Uma dose não prejudicial para um ser humano é de 200 mR por ano.
É SEGURO VISITAR CHERNOBYL HOJE? POR QUE?
A minha resposta é: sim. O tour é muito bem controlado, permanecemos pouco tempo nos locais mais radioativos, temos medidores de radioatividade com a gente o tempo inteiro e as medições ocorrem 2x quando termina o tour.
Mas o que mais me deixou tranquila foi conversar com a guia: ela tem um mês de férias por ano. Nos outros 11 meses o trabalho dela é levar turistas para conhecer Chernobyl e Pripyat. A minha guia já trabalhava como guia há mais de 4 anos. Não vi os exames dela, mas ela pareceu bem saudável.
O QUE ACONTECE NO CORPO DE QUEM RECEBE UMA CARGA MUITO ALTA DE RADIAÇÃO (COMO QUEM TRABALHOU DEPOIS DA EXPLOSÃO - BOMBEIROS, MILITARES, ENFERMEIROS, MÉDICOS)...
A radiação desintegra a estrutura celular. A pele forma bolhas, fica vermelha e depois preta. Depois vem um período de latência, os efeitos imediatos passam, o paciente parece estar se recuperando, parece saudável, mas não está. Esse período dura um ou dois dias. Os danos celulares começam a se manifestar, a medula óssea (onde são produzidos os glóbulos vermelhos e brancos do sangue) morre, por consequência o sistema imunológico entra em colapso. Os órgãos e os tecidos moles começam a se decompor, as artérias e as veias vazam como uma peneira, a ponto de não se conseguir dar morfina para aliviar a dor, que é inimaginável. E, dentro de 3 dias a 3 semanas, a pessoa morrerá.
COMO FUNCIONA O REATOR DE GERAÇÃO DE ENERGIA NUCLEAR?
Um reator nuclear gera eletricidade com vapor. O vapor gira uma turbina, que gera a eletricidade. Uma usina de energia comum gera vapor queimando carvão. Uma usina nuclear usa fissão: pegamos um elemento instável - como urânio-235, que têm muitos nêutrons (que seriam as balas), saem para fora do urânio. Se colocarmos átomos de urânio suficientes juntos, as balas de um átomo acabarão batendo em outro átomo. A força desse impacto quebra esse átomo liberando uma quantidade de energia (= fissão). Os nêutrons se movem muito rapidamente (fluxo), e é bem improvável que os átomos de urânio se choquem. Por isso, nos reatores RBMK, as hastes de combustível são revestidas com grafite para moderar, desacelerar o fluxo de nêutrons.
Um reator RBMK usa urânio-235 como combustível. Cada átomo de urânio-235 é como uma bala, viajando à velocidade da luz, penetrando tudo em seu caminho (metal, madeira, concreto, carne…). Cada grama de U-235 contém mais de um bilhão de trilhões destas balas. Chernobyl tinha mais de três milhões de gramas e, com o núcleo exposto, o vento poderia carregar partículas radioativas por todo o continente. A chuva faria com que caísse sobre as pessoas, ou seja, três milhões de bilhões de balas no ar que respiram, na água que bebem, na comida que comem. A maioria destas balas continuaria sendo disparadas por cem anos, algumas por 50 mil anos, se não fosse contido.
A LIMPEZA DO TELHADO DO REATOR 4 DE CHERNOBYL
A parte mais complicada (mais do que realocar 50.000 pessoas que moravam em Pripyat) foi retirar o material radioativo presente no telhado (principalmente grafite) do reator 4 que explodiu. O telhado tinha 3 níveis: Katya: mil roentgen/hora, onde 2h de exposição seriam fatais. Nina: dois mil roentgen, onde uma hora de exposição seria fatal. Para estes dois níveis eles utilizaram robôs que foram para a lua, como o Lunokhod SRT-1's forrado com chumbo. Masha, o nível mais próximo do núcleo que explodiu, era o mais difícil: doze mil roentgen onde, de traje completo por dois minutos, a expectativa de vida cai pela metade. O robô lunar não resistiu, assim como o Joker, enviado pela Alemanha Ocidental, também não, pois essa quantidade de radiação gama penetra em tudo. Diziam que essa parte do telhado era o lugar mais perigoso do mundo.Em um primeiro momento, falaram que era impossível aceitar ajuda humana para a limpeza do telhado mas, como não tiveram sucesso com os robôs, Masha foi limpa por 3.828 homens que permaneciam 90 segundos com roupa apropriada e uma pá, para jogar os pedaços de grafite de volta para o núcleo, para então cobrirem e enterrarem. É importante lembrar que isso só aconteceu em outubro de 1986, 6 meses após o acidente. Abaixo o vídeo com alguns modelos de robôs que foram utilizados para limpar o telhado do reator 4 da Usina de Chernobyl.
PARA DESCONTRAIR UM POUCO...
Quando entramos na van, a guia disse que ali dentro estávamos bem protegidos da radiação. Seria onde devíamos deixar nossas coisas (lanches, água, mochila...) e que devíamos sair dela somente com o indispensável. Quase no final do tour me deu fome e comecei a comer meu sanduíche. Olha no vídeo a quantidade de radiação que marcava DENTRO da van enquanto eu comia...