Em fevereiro de 2019 eu vi a foto de Kiribati pela primeira vez no livro de um amigo norueguês que tinha viajado para todos os países do mundo. Eu nunca tinha escutado falar em Kiribati (e em vários outros países do livro dele). Esse livro específico fala sobre os 20 países menos visitados do mundo, e eu achei muito interessante essa visão: em vez de escrever sobre os 20 países mais procurados por turistas, ele resolveu fazer o caminho inverso: tentou explicar o porquê desses países serem pouco visitados e também incentivar o turismo nos mesmos, uma vez que a maioria deles (tirando aqueles que estão em guerra, espere um pouco para visitá-los) são lindos e muito interessantes. Primeiro porque normalmente você será o (a) único(a) turista do país. Ninguém aparecendo na sua foto, ninguém usando a sua mesa favorita no restaurante. E não, os restaurantes não precisam de reserva em Kiribati, é só chegar: o peixe foi pescado horas atrás e o 'arquiteto' planejou muito bem a vista para o pôr-do-sol mais lindo do mundo.
Antes de ir para Kiribati, eu passei por Brisbane (na Austrália) para “regular a lenta”: o jetlag pegou. Fiquei 3 dias acordando umas 3h da manhã e indo dormir entre 19h e 20h. Mas, em vez de lutar contra minha fisiologia, resolvi aceitar e aproveitar esse mês de viagem pelos países da Oceania e acordar cedo, o que no Brasil é um verdadeiro problema para mim. Vi praticamente todos os dias o nascer e o pôr-do-sol, e foi incrível.
Depois de 3 dias em Brisbane, fui para Nauru (o post sobre esse país, que também é um dos menos visitados do mundo, já está no site). O Vôo para Tarawa, em Kiribati, saiu no horário. O dia estava lindo. Devia ter umas 50 pessoas no vôo, dei muita sorte. Meu maior medo era que cancelassem o vôo e eu tivesse que ficar em Nauru. Não porque não queria, mas porque era caro (AUD$ 200/dia o hotel), e porque já tinha conhecido todo o país. E também porque estava excitada para ir para Kiribati. Afinal de contas, toda a viagem para a Oceania aconteceu por causa de uma foto de Kiribati.
Cheguei em Kiribati 12:35h e a Ellen estava me esperando no aeroporto. Ela que fica na recepção do meu Lodge e que busca as pessoas no aeroporto. Todas as vezes que fui na recepção ela estava lá. Deve trabalhar no mínimo 12h por dia. O quarto no Fema Lodge é muito bom. O único problema é o carpete: colocaram tanto perfume que eu quase não conseguia respirar e abrir a janela está fora de questão, pois é impossível aguentar o calor! Acostumei logo.
Saí para ir no mercado comprar água e outras coisas. No mercado conheci Peter, um australiano que mora em Kiribati há mais de 2 anos. Ele foi super simpático, eu pedi dicas para ele e ele me convidou para ir caminhar com ele no norte de Kiribati no dia seguinte. Aceitei na hora. Ele me passou muita confiança, e eu estava bastante perdida, uma vez que não tinha feito nenhum itinerário para visitar o país e eu tinha que pagar pelo Wifi AUD$ 8,50/250MB, o que não dava tempo para pesquisar nada. Ah, e só para lembrar: países não turísticos não têm guias e agentes de turismo. Ou seja, ou você conhece uma pessoa que mora no local e ele te mostra o seu país, ou você está entregue à sorte!
Voltei para o hotel e fui caminhar para ver o pôr-do-sol. O sul de Tarawa é bem diferente do norte: as casas na beira do mar (e as outras também) são abertas, dá pra ver toda a família sentada ou deitada. Eles abrem para ventilar (se é que tem vento, o calor é de matar). Muitos animais, principalmente porcos, que são criados no ‘jardim’ de casa, se é que dá pra chamar de jardim. Chiqueiros improvisados, cheiro forte de fezes, isso tudo caminhando na ‘calçada’ que fica logo ao lado da rua asfaltada. Um cachorro ficou latindo para mim, e eu fiquei parada, esperando para ser mordida. Aí um cara do outro lado da rua mandou ele sair, ele saiu, e o cara sorriu para mim. Eu agradeci tremendo. Só existe uma rua que faz a volta na ilha, como em Nauru. Mas a de Tarawa é bem maior.
Explicando um pouco mais porque eu fiquei aterrorizada quando um cachorro latiu pra mim: eu não tenho medo de cachorros, mas na maioria dos blogs que falam dos países insulares da Oceania vocês verão as pessoas falando sobre a ‘gangue dos cachorros’. Mas eu, tirando essa única vez, não sofri nenhuma ameaça de ataque em nenhum dos países que visitei. O que acontece é que eles são muitos, e eles têm fome - e nem sempre oferecem comida para eles. Então eles tentam intimidar, e normalmente eles estão em bandos. Mas na verdade eles têm medo dos humanos, só que alguém que não está acostumado pode se assustar muito. Eu acho importante desmistificar isso, porque eu quase não viajei sozinha para lá com medo de ser mordida por um cachorro!
Assisti o pôr-do-sol na frente do hotel, do outro lado da rua. Em alguns locais do país, somente uma rua separa o local onde o sol nasce do local onde o sol se põe. É só atravessar a rua!
Comi o melhor peixe da vida no restaurante do hotel. Pedi para servirem na minha sala (sim, meu Lodge oferecia cozinha e sala, além do meu quarto), porque o calor dentro do restaurante era insuportável. Era um peixe cru com um molho de côco. Fiquei pensando que poderia morrer comendo aquilo, mas valeria a pena. Comi tudo.
8h o Peter passou no hotel para me buscar. Andamos uns 30min para chegar em Buota, no norte de Tarawa (North Tarawa). Pegamos um barco pequeno para atravessar a lagoa.
Agora a melhor parte: lembra da foto do livro do meu amigo que eu tinha amado? Então, eu não tinha a menor ideia de onde era! E adivinha onde o Peter me levou? E-X-A-T-A-M-E-N-T-E lá. Eu acredito que, quando a gente acredita e se esforça por algo, o universo te devolve aquilo que você pediu. Eu não consegui nem explicar pro Peter na hora de tanta emoção. Foi incrível.
Só a nível de comparação com os outros lugares da Oceania: O bangalô mais caro custava AUD$120 incluindo jantar e café da manhã. Sim, esse bangalô com cama, mosqueteiro, uma “sala" com duas cadeiras e uma mesinha, super exclusivo, custa quase 1/10 do que custa um bangalô na vizinha Tahiti. E não vai ter absolutamente ninguém para tirar a tua privacidade.
Caminhamos até a ponte quebrada (Broken Bridge) durante mais ou menos 1h sem parar. A trilha é no meio de uma floresta tropical, com predominância de coqueiros e palmeiras. A cor do verde é aquele que a gente sempre quer nos lápis de cor, lindo. Durante a caminhada passamos por escolas, todas com aquele telhado de sapê, e comunidades. As crianças pequenas não tem problema com a cor da roupa: elas não usam. Vi só uma com uma canga amarrada, as outras todas peladas. Tomamos um banho na lagoa embaixo da ponte quebrada, fiquei observando os peixes, ao meu redor vários amarelos e transparentes. A água era tão quente e tão transparente que fiquei ali mais de meia hora.
O Peter trabalha em um lugar chamado KIT (Kiribati Institute of Technology), e depois do nosso passeio ele me levou lá para conhecer. É um local onde preparam jovens para o trabalho. Por ano são aceitos 250 jovens, e o pré-requisito é que eles falem inglês. O objetivo é ensinar os trabalhos necessários para que eles possam trabalhar no país ou na Austrália ou Nova Zelândia. Eles ensinam informática, como construir uma casa (onde inclui tudo: construção, elétrica, hidráulica), o trabalho de diferentes pessoas em uma empresa (cada um passa um tempo nos diferentes setores da empresa: recepção, administração, contabilidade,… ). Eu achei incrível, e o local é na beira da lagoa turquesa. Deu vontade de largar tudo e trabalhar lá.
No outro dia troquei de pousada. Fui para a Dreamer Guest House. A vista do pátio é para uma ilha surreal. O pátio na parte da frente cheio de flores, na parte de trás os quartos (só 3) e a vista para a lagoa. O dono, Richard, é inglês mas nasceu em Kiribati. Ele tem todas as características de um inglês (inclusive o inglês britânico, a altura e os olhos azuis).
Fui na Igreja St Peter que fica há uns 100m daqui. A Igreja Católica mais colorida que eu já vi. E não tem bancos, as pessoas sentam no chão. Minha tese era que o chão é frio, aliviaria o calor. Mas não. A Igreja não tem cadeiras e bancos porque nas casas das pessoas também não tem. Eles têm o costume de sentar (e até dormir) direto no chão.
Depois voltei e conversei com duas meninas que moram aqui. Seu inglês era ótimo (assim como em Nauru, as crianças aprendem em inglês no colégio). Tiramos fotos e nos despedimos.
Quando voltei para o hotel, meu jantar estava pronto: muitos legumes no vapor, salada e um churrasco de peixe espetacular. Com a vista da ilha e do pôr-do-sol mais lindo e mais.vermelho que já vi. Com certeza Kiribati tem o pôr-do-sol mais lindo do mundo.
No outro dia conversei por um tempão com o Richard, ele é muito inteligente. Só pelo que eu vi tem mais de 1000 livros espalhados pela pousada. Dentro dos quartos, nos corredores, onde você olha tem livros. E em alguns deles sobre Kiribati, ele aparece e seus pais também. Seus pais eram ingleses e se mudaram para lá para trabalhar pelo governo. Ele nasceu em Kiribati. Mas tem casa na Inglaterra e já viajou o mundo inteiro. Sabe tudo sobre tudo (até sobre Bolsonaro e Lula no Brasil).
À tarde, Richard me disse: "Eu tenho um barco há 5 anos e quero andar com ele para testar, pois vai ser a 2a vez que vou usá-lo. Tu quer ir comigo?" Lógico que fui. Andamos pela lagoa Tiffany (assim que eu a chamo, pois a cor dela é exatamente a cor Tiffany) durante uma hora, exatamente na hora do pôr-so-sol. Foi uma ótima despedida, melhor impossível.
Quando voltei pro Dreamers a Tila e o Ricardo estavam lá. A Tila é brasileira que mora em Kiribati com o Ricardo, seu marido, que trabalha na ONU. Ficamos bebendo cerveja e conversando. Lamentamos muito que só nos conhecemos no último dia, mas pelo menos conheci a única brasileira do interior do Rio de Janeiro que mora em Kiribati.
Quando o Richard soube que eu era brasileira ele foi até a casa da Tila, pois não tinha seu telefone, e deixou um bilhetinho para ela. Ele é incrível. Hoje a Tila mora em Tromso, na Noruega. Quando fui para lá em 2020 a encontrei de novo. E agora pretendemos nos encontrar na Ásia ou na África da próxima vez, na América por último. Amizade de 5 continentes!
Foi uma noite muito agradável. Eu sabia que Kiribati seria incrível, mas não imaginei que fosse tanto. Não estou preparada para ir embora.
E não fui.
Acordei 5h da manhã com o Richard batendo na minha porta. Ele me acordou para ver o nascer do sol. Ficamos sentados em silêncio, esperando o espetáculo. E que espetáculo! Demorou uma hora e meia para que ele surgisse de trás da ilha, mas nessa uma hora e meia o céu se transformou umas 12x, as cores mais incríveis surgiram. Foi mágico. E eu de pijama, deitada na cadeira de tomar sol, com cara de sono e sem nenhuma preocupação quanto a isso ou quanto a qualquer coisa.
Fui terminar de arrumar minhas coisas e o Richard foi fazer meu café. Quando eu estava pronta, com a mala fechada, fui ver minhas mensagens antes da viagem e tinha um e-mail da Nauru Airlines, dizendo que meu vôo tinha sido remarcado para o outro dia.
Pensa numa pessoa feliz. Fui toda saltitante falar para o Richard e voltei ao meu paraíso rapidinho. Liguei para a Tila para avisá-la, e ela passou a tarde comigo.
Almoçamos em um restaurante perto do Hospital, depois deixamos o Ricardo no trabalho. Fomos na costureira, no mercado e na agência de viagens que tem um café com ar-condicionado. Foi um dia de "local" em Kiribati. Compramos cervejas e Smirnoff Ice e fomos para Betio ver o pôr-do-sol. O Flávio, outro brasileiro que mora em Kiribati e trabalha na Air Kiribati também foi com sua esposa. Foi muito legal. Muito mesmo. Agora sim estava satisfeita: já tinha vários amigos em Kiribati, uma casa, já sabia onde era o restaurante, o mercado, a agência de viagens, o café com ar condicionado, como as pessoas viviam, do que se alimentavam, quanto custava um peixe (AUD 0,80) e uma batata (AUD 1). Já sabia até onde tinha uma costureira! E que todas as famílias tem um porco para comer em festas especiais.
Voltei para o Dreamers, conversei um pouquinho com a Beth e com o Richard, e fui tomar um banho e dormir.
Agora sim estava pronta para partir.
Fiz um vídeo com 5 motivos para você conhecer Kiribati (veja se meu post ainda não convenceu você, ou se quiseres ter ainda mais certeza).